sexta-feira, 1 de setembro de 2023

DOS RIDÍCULOS DA VIDA: VIGIAR E PUNIR NA MICROFÍSICA DO PODER

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

A ideia aqui, não é fazer um tratado aprofundado sobre como se organiza a sociedade em que vivo, no momento que componho este texto. Pois bem, para quem acompanha este texto um fragmentado em peças soltas, pode ser um tanto monótono, mas não posso compor de forma diferente. Pois estou rememorando fragmentos, não muito distante no momento que componho este texto. Pois bem, lá estava eu trabalhando, por motivos variados, em um local isolado na cidade em que vivo. Eu como funcionário público, uniformizado, o guardinha ali na esquina como se diz no popular.

Ficando eu no primeiro piso, de um aparato repressivo do estado, e os funcionários de níveis acima da minha patente ficavam no segundo piso. Apelidados de querubins e querubinas, seres celestes que viviam outra realidade do povo do andar de baixo, no meu caso literalmente.

Chega de embromação e vamos ao que interessa, pois lá estava eu no primeiro piso e como a repartição em que trabalhava não tinha recepção eu terminava acumulando esta função, eis que me bate na porta um senhor cigano. Como o prédio da repartição era aberto, era comum tal situação, em suma o senhor cigano de meia idade me fez um pedido incomum. Ele pediu para ocupar o terreno baldio ao lado da repartição, e um pouco de contexto aqui, o meu posto de trabalho era isolado, ficavam eu uma zona industrial e próximo a uma rodovia federal. E com vários terrenos baldios ao redor da repartição e ficava em uma divisa de três avenidas rápidas.

Então o senhor cigano, me informou que o carro deles precisava de reparos, estavam usando dois carros, como estavam de passagem, iriam levar o carro para uma oficina e em questão de poucas horas seguiram viagem. Resumindo, eles não iriam acampar no local, e como o órgão que eu estava guardando e resguardando era responsável de coibir ocupações de terrenos, eu achei uma boa ideia deixar os ciganos temporariamente assentados ao lado.

E mais contexto, era o início de meu turno, em uma manhã de sol, e eu já tinha recebido a orientação de uma querubina de eu não deixar ciganos acampados próximos da repartição. Uma ordem ilegal, pois em questão de hierarquia eu não estava subordinado a ela, éramos de repartições diferente e os ciganos, como povo tinha sido reconhecido pela ONU como uma nação soberana.

E como o meu país era e é signatário da ONU, acabou assinando a resolução. E o que se seguiu naquela manhã, foi a mesma querubina, olhar lá de cima das densas alturas e ver mulheres e crianças ciganas, se aprontando para o café da manhã. E não, os ciganos não montaram um acampamento, mas a querubina passou por mim apavorada fazendo menção que iria ter um tête-à-tête com a mulheres ciganas e querubina não estava sozinha, ela estava com a estagiária. Um pouco mais de contexto, ela levou o telefone móvel a orelha, tentava falar com o querubim-mor, o chefe da repartição. Um pouco mais de contexto, o querubim-mor, um militar sensato, coisa rara de ver, me informou que pelas manhãs ele estava indisponível.

Então podemos dizer, que para vigiar e punir na microfísica do poder para os ridículos da vida, desta vida e de outras possíveis e imagináveis vida, a querubina e estagiária se voltaram para mim, confesso que ao olhar para a querubina e estagiária eu logo pensei em Dom Quixote e o escudeiro Sancho Pança. Ela me informou do perigo do órgão repressivo que visava coibir ocupações irregulares e ter um acampamento cigano como vizinho. E lá vai eu, fazer um breve e pequeno relatório do que estava acontecendo, lá foi eu dizer que o chefe dela estava indisponível pela manhã, e lá vai eu dizer que o povo cigano tinha o direito constitucional de acampar ao lado da repartição.

Por fim, no final da manhã os ciganos estavam se aprontando para se retirar do local e entre mortos e feridos graves todos nós acabamos bem.

 

Fragmento do livro Dos Ridículos da Vida, de Samuel da Costa, contista, poeta e novelista em Itajaí, Santa Catarina.

Contato: samueldeitajai@yahoo.com.br

 

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