Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)
O escritório de meu pai era,
também, atelier de pintura. Nele havia duas pesadas poltronas e três extensas
estantes de pinho, enegrecidas, recheadas de livros. Uns, trajavam fina pele,
com letras gravadas a oiro; outros, meio-amador, e ainda outros, simples
plebeus, brochados, que eram a maioria.
Eram milhentos, rondavam os
dois mil volumes, que adquirira ao longo da vida. De tudo havia, mas primavam
pela ausência de critério.
Nas derradeiras décadas, com o
convívio de homens de letras, abandona o parecer de críticos, quase sempre mais
políticos, que letrados.
Aposentado, peregrinava
diariamente, pelo ardor da tarde ou pela frescura do entardecer, mesmo com céu
taciturno, as livrarias preferidas.
Iniciava pela “Internacional”,
na Rua de Santo António (Porto,) onde adquiria, livros em francês; passava pela
“Divulgação”; e desembocava na Praça, na “Figueirinhas”, onde todos eram
amigos, desde modesto empregado, aos proprietários.
Cumprimentava o Sr. Ferreira –
chefe de balcão, – e encafuava-se no interior da livraria, catando nas
colossais estantes, os volumes que mais lhe aguçavam a curiosidade.
Não comprava a eito. Lia o
indexe e morosamente folheava a obra; na dúvida, levava-a na condição: se não
lhe interessava, devolvia.
Na velhice, pouco lia, relia,
os que considerava fundamentais. Junto ao leito havia estantezinha, onde perfilavam
os preferidos; mal passavam da dúzia.
Era a "tenda de
campanha", expressão que o terso Camilo usava para os livros inseparáveis.
Muitos homens de cultura
recomendam pouca leitura, mas muita releitura, porque, em geral, os livros se
repetem.
Marco Aurélio dizia: "
Rejeita a sede dos livros.", e o mesmo recomendam: Sertillanges,
Fulton Sheen, Jean Guitton, André Mourois, Ignace Leep,Karl Jaspers e
igualmente o nosso Mário Gonçalves Viana.
O problema está em selecionar
os tomos fundamentais. Bom professor de português é, em geral, bom mestre, mas
corre-se o perigo de indicar só autores da sua ideologia política ou
religiosa...
Boa seleta, pode ser ponto de
partida. A idade, o convívio com homens de cultura, ajuda a criar, e de que
maneira, a nossa " tenda de campanha".
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