Estou sentado numa cafetaria, aberta para o mar
azul. A praia está movimentada. Um avião rasga o céu e deixa longo risco
branco, que contrasta com o azul luminoso da abobada celeste. Tudo está coberto
de sol.
Diante da minha mesa, encontra-se um velho. Rosto
enegrecido no mar, sulcado de pregas profundas. Cabelo raro e grisalho.
Sobranceiras negras e densas. Olhos de azul porcelana, vivos e encovados.
Atraído pelo meu olhar, encara-me, e num rouco
murmúrio, diz-me:
- Está um bonito dia!
- De Verão! Dos verões da minha juventude! -
respondi.
Em breve vizinha-se da minha cadeira, tentando
dialogar:
Toda a vida foi no mar. Viu morrer muitos, sem puder
socorrer.
Foi vida de trabalho. - “ Quarenta anos a labutar!”
– confessa.
A conversa estava interessante:
Fora pescador. Andou nas barcas poveiras. Conhecera
a fome, quando o mar recusava o peixe. Criou filhos. Deu-lhes muito amor, já
que pouco mais havia para dar.
Andou em África, na guerra. Viu terroristas. Não
sabe se matou.
Agora vive da reforma. Pensão modestíssima.
Arrepende-se de não ter ido para França - “ Lá sim,
na Europa, o trabalho é recompensado!”.
Confessa que chorou, quando os filhos partiram.
Foram todos. Mas que havia de fazer?!
Portugal é ingrato. - “ Quando é, que trabalhador,
aqui na Póvoa, pescador, como eu, pode ter: casa, automóvel, dinheiro no banco
e ir passar férias no Algarve? “ - pergunta.
Não soube responder.
Este velho, de pele enrugada, lábios sumidos, é a
imagem de milhares, milhões de portugueses, que envelheceram a trabalhar, para
receberem minguas reformas.
Também eu, pouco mais novo, mas velho para emigrar,
lamento não ter partido.
A minha geração nasceu num país pobre, onde se
considerava que ter: herdade, fábrica ou loja comercial, era ser rico. Que digo
eu? Milionário.
Fomos levados, à força, para a guerra. Guerra, que
diziam estar ganha; mas que a política deu-nos a derrota.
Com o fim do conflito, conquistamos liberdade, e a
ilusão de sermos país a nível europeu.
Puro engano! Se outrora os jovens saíam para ganhar
o pão, que a Pátria negava; agora saem às catadupas, desesperados, deixando
pais no desemprego, e avós com pensões, que ano a ano, se reduzem, graças à
inflação e aos descontos sucessivos. O último corte será de 10%. Será o último?
Dizem-me que foi para pagar o progresso: as
autoestradas, os estádios de futebol, as infraestruturas, que tornaram o velho
Portugal, num país do primeiro mundo.
Preferia, que não houvesse tantas autoestradas; que
os clubes desportivos tivessem estádios modestos; que não houvesse tantos
projetos megalómanos; tanto luxo.
Preferia viver tranquilamente, sem o sobressalto de
não conhecer: se os novos têm velhice garantida, e os velhos fim de vida
sossegada.
Este velho, que encontrei na esplanada poveira,
virada para o mar, recordou-me a sina dos portugueses: sempre eternos judeus
errantes, em busca do sustento da família.
Fado que atravessa a História. Fado que nos
acompanha, séculos e séculos.
Tivemos
impérios. Tivemos reinos em África. Tivemos terras sem fim, no Brasil. Chegamos
à Ásia, à Oceânia. Tivemos elites riquíssimas, mas sempre, sempre, o povo
trabalhador, foi pobre. Sempre teve que abandonar a Pátria querida.
Ambição? Necessidade? Ambas; mas sempre a precisão
de abalar, fugir da aldeia onde nasceram, da vila onde estudaram, da cidade que
lhes negou trabalho, e justa recompensa.
Estamos em Agosto. Póvoa do Varzim transformou-se em
centro cosmopolita. Na Avenida dos Banhos, escutam-se todas as línguas. Os
hotéis encontram-se repletos. São estrangeiros que nos visitam ou emigrantes?
São poveiros que regressam, acicatados pela saudade:
pelo torrão natal, pela família que deixaram, pelo amor que nutrem por essa
bonita e encantadora cidade. O maior e melhor centro turístico do Norte de
Portugal.
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