sábado, 2 de novembro de 2013

REFLEXÕES PARA O DIA DE FIEIS DEFUNTOS

Por Humberto Pinho da Silva (Vila Nova de Gaia, Portugal)

Despreocupadamente, vagueio ao longo de estreito carreirito de terra pardacenta, entalado entre campas rasas, no cemitério local.
Diante de mim, ladeando o caminho, há jazigos, de mármores brancos, bem cuidados, alegrados de frescas flores, que adoçam enjoativamente o leve ar doirado da manhã; e outros, desventrados, enegrecidos, de densa poeira, de pedras e cruzes quebradas.
Em todos ou quase todos, tristes palavras de saudade eterna.
Agora reparo numa singela capelinha, toda branca, toda resplandecente, faiscando à macia luminosidade da manhã coberta de sol. Nela, lê-se, inscrito a negro a palavra - “Ninguém”…
Ninguém?! Sim, ninguém! Para quê mencionar nomes!? Já não existem!; e muitos morreram, também, no coração de amigos e familiares.
Com eles, pareceram, igualmente: os da sua geração, os objetos que usaram, e, quantas vezes, a casa onde nasceram e viveram.
Tudo desapareceu. Tudo mergulhou no pó do esquecimento. Existiram, mas é como nunca existissem.
Piso a terra sagrada, respeitosamente; há nela gerações desaparecidas, metamorfoseadas, transmudadas em seiva, que corre nas verdes folhas dos velhos ciprestes do cemitério.
Sob a terra que calco, apodrece quem: riu, sonhou, sofreu e chorou. Os que receberam acotoveladas e ingratidões. Os que amaram e odiaram com ardor. Todos irmanados, todos reduzidos a pó. Como se nunca tivessem nascido e vivido.
Pensativo, melancólico, taciturno, meditando na vida e na morte, nas vaidades e orgulhos, na cobiça e na inveja, regresso tristemente a casa.
Por desfastio, folheio volume encadernado a percalina preta, com filetes a prata, do ano de 1913, da “Ilustração Portuguesa”.
Diante de meus olhos míopes, passam, a preto e branco, imagens de: artistas, jornalistas, escritores, empresários, professores, políticos de sucesso. Figuras iminentes, incontornáveis, inesquecíveis; mas, para mim, homem do século vinte e um, ilustres desconhecidos, que as enciclopédias esqueceram-se de registar.
Compara-se a morte a uma porta; à passagem de um rio; ao sono reparador; à feia lagarta, que se torna na bela borboleta. Para mim, a morte, é o segundo nascimento:
Sai a criança das trevas para a luz; morre o homem da ignorância para a Verdade. E sempre, nos nascimentos, há: choro e dor.
Brevemente os crentes, irão visitar seus mortos. Bonita e significativa tradição.
Costume, pelo facto de o ser, perdeu significado. Felizmente, a maioria, ainda conserva respeito, lembrando-se, que em breve - anos ou décadas, - serão pó, serão nada: sejam sábios ou iletrados, ricos ou pobres.

Tudo passa. Tudo desaparece. Tudo se extingue. Tudo se torna terra e poeira; em poalha; em polvilho de nada.

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