segunda-feira, 1 de junho de 2015

APONTAMENTOS SOBRE O BERÇO DA CABO-VERDIANIDADE

Por Pedro Silva (Portugal)

Após vários anos de afastamento literário, nada melhor para retomar o labor do que abordar um encantamento. Longínquo, mas próximo do coração. Distante, mas perto da alma. Cidade Velha, o berço de onde brotou Cabo Verde!
Fixemos a nossa mente em 1460 ou 1462 como o momento mais importante da sua história, nada consegue disfarçar a questão principal: mais de cinco séculos de vivência quotidiana, repleta de factos, feitos e figuras. A começar pelos navegadores Diogo Gomes e António da Noli, este último com origens em Génova, cidade-estado italiana que deu ao mundo alguns dos melhores marinheiros do passado. Cabem, aqui, também referências a Vasco da Gama, Cristóvão Colombo ou Américo Vespúcio que, algures no período dos Descobrimentos Portugueses, por ali passaram, na qualidade de porto de escala crucial para a navegação atlântica.
Anglófonos como Francis Drake ou o naturalista Charles Darwin aqui deixaram a sua marca. O primeiro, com cariz destrutivo (conforme escreve um dos maiores especialistas da história local, Nuno Rebocho, no seu texto, disponível em: http://cidadevelha1462.blogspot.pt/2014/01/0487-dois-seculos-de-historias-de.html, Dois séculos de história de corsários na Ribeira Grande de Santiago, Cidade Velha), em “1585, Francis Drake, com uma força de cerca de 1000 homens, desembarca em S. Martinho, durante a noite percorre a distância que separa da Ribeira Grande, atacada na madrugada de 17 de Novembro. A população já abandonara a cidade e o saque não terá sido o que os corsários esperavam: por desforra, tudo rapinam, até os sinos das igrejas, e incendeiam Ribeira Grande.” Já o segundo, teve o condão de, ali, dar início à sua Origem das Espécies, título que o catapultou para a fama – independentemente dos detractores – e que por arrastamento histórico deveria colocar a Cidade Velha no topo das enciclopédias universais.
Quiçá mais importante ainda foi a presença do Padre António Vieira, já no século XVII (Natal de 1652). Não apenas defende, de forma acérrima, a ideia de uma escola como também critica a horrenda prática da escravatura. Algum tempo depois, naquela que é a primeira cidade fundada por portugueses em África, nasceria também a primeira escola missionária portuguesa. A sua voz foi menos escutada no que ao comércio de seres humanos diz respeito, pois só em 1869 foi abolida a escravatura no império português.
Todas estas informações históricas, e muitas mais, poderão ser encontradas na obra Cidade Velha, Ribeira Grande de Santiago, com edição da Fundação João Lopes e da Publicom e organização de João Lopes Filho, douto historiador de Cabo Verde.
Não é, porém, a História que aqui nos traz. Ou pelo menos, não é “apenas” a História. Se foi ela que aqui nos trouxe, tornar-se-ia o sentimento na principal razão da confecção deste texto.
No momento em que pousámos no aeroporto da Praia, iniciado estava um dos momentos mais importantes da nossa vida. Pisar o mesmo solo que tais figuras históricas haviam prestigiado com a sua presença. Temperatura amena. Um doce cheiro no ar. Ainda assim, o mítico vento local por vezes teimava em fazer-nos sentir, na pele, a sua preponderância. Meses antes, a Natureza voltara a ser cruel, destruindo a povoação de Chã das Caldeiras e, agora, o vento mostrava que é ela, e não o Homem, que manda.
O trajecto foi tranquilo. Tal como é apanágio de tudo em Cabo Verde. Paz. Sossego. Tranquilidade. Sinónimos de um país. Âmago de um povo. E, finalmente, a Cidade Velha chegava, aos nossos (já) encantados olhos. Casas simples e tradicionais, mas cuidadas, fugindo ao desgostoso aspecto visual das cidades modernas europeias repletas de caixões gigantes, uniformizados numa volumetria excessiva e gritando de forma aberrante aos nossos sentidos. Pessoas simples, mas educadas, atentas e informadas. Beleza natural. Beleza histórica. Monumentos. Maravilhas da Natureza. Vestígios do passado, legados pelo Homem, comprovando que o ser humano não tem, apenas, capacidade para destruir mas pode – se assim o entender – colocar o seu intelecto ao serviço da Humanidade e criar obras tão impactantes como o Convento de São Francisco (século XVII) ou a Fortaleza Real (do século XVI) – mais informações em http://www.cmrgs.com/.
Porém, a título meramente particular, nada nos tocou mais, em termos arquitectónicos, que a Igreja de Santa Teresinha (São Martinho Grande - povoação pertencente ao município, onde mora grande parte da nossa pessoa), a Rua Banana e o Largo do Pelourinho. Pequenos espaços, pequenos momentos, memórias gigantes e eternizadas no nosso coração e alma. E as pessoas, claro, sempre as pessoas: acima de tudo estas pessoas humanas – pese o pleonasmo – como raramente se encontra nos dias de hoje. Porque, por mais que o capital tente escorraçar o sentimento, nada se consegue fazer sem humanidade e sem a Humanidade.
Não foi o dinheiro que tornou a Cidade Velha naquilo que ela é hoje: um espaço onde a morabeza se sente indelével. Foram os seus habitantes. Em períodos de maior ou menor sofrimento - fruto de ataques e invasões externas ou, por outro lado, mercê das intempéries – jamais esta povoação deixou de contar com a entreajuda de todos e com a presença de um sorriso natural. Nos momentos que foram para chorar, deixaram-se as emoções fluir. Sabendo, porém, que o futuro poderia ser risonho. Como acreditamos piamente que possa ser após esta atenta – ainda que curta – visita in loco.
Um pouco de nós ficou ali, plasmado nas ruas que calcorreámos; nas pessoas que conhecemos; no conhecimento que absorvemos. Nada será igual na nossa vida. Aquela que nasceu, historicamente, Ribeira Grande, tornar-se-ia eternamente Cidade Velha e que, agora, tem a denominação oficial de Ribeira Grande de Santiago. Pese embora a toponímia, para nós será – para todo o sempre – conhecida como o Paraíso.


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