Após vários anos de afastamento
literário, nada melhor para retomar o labor do que abordar um encantamento.
Longínquo, mas próximo do coração. Distante, mas perto da alma. Cidade Velha, o
berço de onde brotou Cabo Verde!
Fixemos a nossa mente em 1460 ou
1462 como o momento mais importante da sua história, nada consegue disfarçar a
questão principal: mais de cinco séculos de vivência quotidiana, repleta de
factos, feitos e figuras. A começar pelos navegadores Diogo Gomes e António da
Noli, este último com origens em Génova, cidade-estado italiana que deu ao
mundo alguns dos melhores marinheiros do passado. Cabem, aqui, também
referências a Vasco da Gama, Cristóvão Colombo ou Américo Vespúcio que, algures
no período dos Descobrimentos Portugueses, por ali passaram, na qualidade de
porto de escala crucial para a navegação atlântica.
Anglófonos como Francis Drake ou
o naturalista Charles Darwin aqui deixaram a sua marca. O primeiro, com cariz
destrutivo (conforme escreve um dos maiores especialistas da história local,
Nuno Rebocho, no seu texto, disponível em: http://cidadevelha1462.blogspot.pt/2014/01/0487-dois-seculos-de-historias-de.html,
Dois séculos de história de corsários na
Ribeira Grande de Santiago, Cidade Velha), em “1585, Francis Drake, com uma
força de cerca de 1000 homens, desembarca em S. Martinho, durante a noite
percorre a distância que separa da Ribeira Grande, atacada na madrugada de 17
de Novembro. A população já abandonara a cidade e o saque não terá sido o que
os corsários esperavam: por desforra, tudo rapinam, até os sinos das igrejas, e
incendeiam Ribeira Grande.” Já o segundo, teve o condão de, ali, dar início à
sua Origem das Espécies, título que o
catapultou para a fama – independentemente dos detractores – e que por
arrastamento histórico deveria colocar a Cidade Velha no topo das enciclopédias
universais.
Quiçá mais importante ainda foi a
presença do Padre António Vieira, já no século XVII (Natal de 1652). Não apenas
defende, de forma acérrima, a ideia de uma escola como também critica a
horrenda prática da escravatura. Algum tempo depois, naquela que é a primeira
cidade fundada por portugueses em África, nasceria também a primeira escola
missionária portuguesa. A sua voz foi menos escutada no que ao comércio de
seres humanos diz respeito, pois só em 1869 foi abolida a escravatura no
império português.
Todas estas informações
históricas, e muitas mais, poderão ser encontradas na obra Cidade Velha, Ribeira Grande de Santiago, com edição da Fundação
João Lopes e da Publicom e organização de João Lopes Filho, douto historiador
de Cabo Verde.
Não é, porém, a História que aqui
nos traz. Ou pelo menos, não é “apenas” a História. Se foi ela que aqui nos trouxe, tornar-se-ia o sentimento na principal
razão da confecção deste texto.
No momento em que pousámos no
aeroporto da Praia, iniciado estava um dos momentos mais importantes da nossa
vida. Pisar o mesmo solo que tais figuras históricas haviam prestigiado com a
sua presença. Temperatura amena. Um doce cheiro no ar. Ainda assim, o mítico
vento local por vezes teimava em fazer-nos sentir, na pele, a sua
preponderância. Meses antes, a Natureza voltara a ser cruel, destruindo a
povoação de Chã das Caldeiras e, agora, o vento mostrava que é ela, e não o
Homem, que manda.
O trajecto foi tranquilo. Tal
como é apanágio de tudo em Cabo Verde. Paz. Sossego. Tranquilidade. Sinónimos
de um país. Âmago de um povo. E, finalmente, a Cidade Velha chegava, aos nossos
(já) encantados olhos. Casas simples e tradicionais, mas cuidadas, fugindo ao
desgostoso aspecto visual das cidades modernas europeias repletas de caixões
gigantes, uniformizados numa volumetria excessiva e gritando de forma aberrante
aos nossos sentidos. Pessoas simples, mas educadas, atentas e informadas.
Beleza natural. Beleza histórica. Monumentos. Maravilhas da Natureza. Vestígios
do passado, legados pelo Homem, comprovando que o ser humano não tem, apenas,
capacidade para destruir mas pode – se assim o entender – colocar o seu
intelecto ao serviço da Humanidade e criar obras tão impactantes como o
Convento de São Francisco (século XVII) ou a Fortaleza Real (do século XVI) –
mais informações em http://www.cmrgs.com/.
Porém, a título meramente
particular, nada nos tocou mais, em termos arquitectónicos, que a Igreja de
Santa Teresinha (São Martinho Grande - povoação pertencente ao município, onde mora grande parte da nossa pessoa), a
Rua Banana e o Largo do Pelourinho. Pequenos espaços, pequenos momentos,
memórias gigantes e eternizadas no nosso coração e alma. E as pessoas, claro,
sempre as pessoas: acima de tudo estas pessoas humanas – pese o pleonasmo – como raramente se encontra nos dias de
hoje. Porque, por mais que o capital tente escorraçar o sentimento, nada se
consegue fazer sem humanidade e sem a Humanidade.
Não foi o dinheiro que tornou a
Cidade Velha naquilo que ela é hoje: um espaço onde a morabeza se sente indelével. Foram os seus habitantes. Em períodos
de maior ou menor sofrimento - fruto de ataques e invasões externas ou, por
outro lado, mercê das intempéries – jamais esta povoação deixou de contar com a
entreajuda de todos e com a presença de um sorriso natural. Nos momentos que
foram para chorar, deixaram-se as emoções fluir. Sabendo, porém, que o futuro
poderia ser risonho. Como acreditamos piamente que possa ser após esta atenta –
ainda que curta – visita in loco.
Um pouco de nós ficou ali,
plasmado nas ruas que calcorreámos; nas pessoas que conhecemos; no conhecimento
que absorvemos. Nada será igual na nossa vida. Aquela que nasceu, historicamente,
Ribeira Grande, tornar-se-ia eternamente Cidade Velha e que, agora, tem a
denominação oficial de Ribeira Grande de Santiago. Pese embora a toponímia,
para nós será – para todo o sempre – conhecida como o Paraíso.
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