Na nossa terra só tem valor
quem pensa como nós. Quando se aprecia um escritor ou interprete, primeiro
procura-se saber: “ De que partido é? …” Se tem as nossas ideias, é mestre, se
não, tem habilidade ou não passa de coitadinho, que se põe em bicos de pés…
Vem o introito a propósito da
conversa travada por meu pai e conhecido político, amigo de infância.
Vários intelectuais lisboetas
ou que viviam em Lisboa, em encontros ou por carta – nesse tempo ainda não
havia Internet, – não se cansavam de dizer: “ Por que não desce à Capital? Seus
artigos são magníficos! Tão bons como os de Ramalho!... Mas enquanto não
escrever em periódico da Capital, ninguém lhe dará valor…”
Acicatado por esses confrades,
resolveu, certa tarde, visitar amigo de infância, que se tornara importante
político.
Bateu-lhe à porta e foi
recebido de braços abertos:
- Por que não apareces mais
vezes? …Contigo não faço cerimónias…
Meu pai agradeceu a gentileza e
disse ao que vinha: que ilustres professores e reconhecidos intelectuais, não
se cansavam de elogiar os artigos, e diziam-lhe para descer à Capital…
- Mas como? Se não conheço
proprietário ou diretor de grande jornal que queira apadrinhar? …
- Ó Mário: Eles têm razão… –
Meu pai ia-lhe lendo frases de cartas que recebera de sonantes nomes da
literatura portuguesa. - Tenho lido a tua coluna no matutino que compro, e
francamente te digo: És excelente! …
Meu pai estava radiante.
Bastava cartão-de-visita do amigo, com algumas palavras, para que revistas e
jornais de expansão nacional abrissem-lhe as portas… e as janelas…
Mas quando assim pensava, ouviu
este desabafo:
- Mário: Tu sabes que não sou
homem de Igreja. Sou ateu por convicção e militante de esquerda. Como queres
que recomende católico praticante e ainda por cima colaborador de jornais de
direita! …Deixa, pelo menos, o semanário X, e pode ser que te encontre um
diário de Lisboa. Mas vê lá o que vais escrever! …Tens que apimentar a prosa e
escolher temas que agrade ao povo…Compreendes? …
Meu pai agradeceu a cortesia,
mas preferiu continuar a ser jornalista nortenho, que trair sua crença e seus
princípios.
Saiu de cabeça erguida, mas
condenado a ser sempre intelectual de província… porque não desceria à Capital…
Se aceitasse, certamente teria
alcançado fama. Os editores disputariam seus livros e os críticos agnósticos,
teceriam louvores ao mestre.
Seria premiado e aplaudido pelo
povo acéfalo, que correria ao livreiro para adquirir a obra que a crítica da “
capelinha” diria ser best-seller.
Seria tudo, mas a crença e a
consciência não lhe permitiram “ apimentar” a prosa nem deixar de escrever
artigos de inspiração cristã.
Morreu como escritor e
jornalista nortenho…mas morreu em paz…
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