Por Valéria A Gurgel (Nova Lima, MG)
Fim
de tarde, muito calor, quase 38 graus e ameaças de tempestades.
Ponto
de ônibus lotado! Na dura volta para casa em plena sexta feira, exatamente na
hora de pico! Dezessete horas e quinze minutos. Cíntia havia matado a última
aula de português. Queria chegar mais cedo em casa para sair com seu namorado,
o Fred. Queriam ir juntos ao aniversário de um colega.
Mas
parecia naquele dia, que todas as pessoas haviam saído de casa e tentavam
voltar ao mesmo tempo e todas dentro daquele mesmo coletivo, velho, que exalava
um forte odor de borracha e combustível queimados
Depois
de uma dura espera de mais de quarenta minutos na fila, enfim a porta se abriu
e o trocador tentava controlar o empurra-empurra na incansável disputa por um
lugar na janela, não ao sol!
A
jovem com uma gigantesca mochila nas costas, esperta e acostumada passar por
aquela aventura todos os dias, não se importava em ser quase triturada naquele
coletivo que mais parecia uma máquina de espremer carne humana.
Assim,
depois de alguns minutos torturantes, ela conseguiu se sentar bem lá atrás! E
ainda dividia o lugar no banco ao lado, com uma mulher com três crianças
pequenas sentadas uma em cada um de seus joelhos e um bebezinho no colo. A
mulher carregava uma bolsa enorme que entornava um caldo insuportavelmente
podre, parecia ser de peixe! E ainda tentava amamentar o bebê! O pobre estava
todo coberto por um manto azul, e com roupas de lã azul e branco parecia mais
uma bandeira do Cruzeiro!
Não
dava para entender como aquele indefeso ser, ainda conseguia respirar com
aquele calor infernal dentro do ônibus. E o pobrezinho envolto a tantas roupas
inalando um forte odor que a mulher trazia escondido embaixo de seus sovacos!
Mal
o coletivo deu partida, já parava no sinal vermelho e podia-se ouvir a galera
gritando aflita:
-Vão
motô! Anda depressa e não pára mais não! Pois não cabe mais ninguém nessa
espelunca!
Mas,
infelizmente, ele devia cumprir ordens da empresa e a cada ponto que parava,
subia dez e descia um! A coisa foi ficando feia e naquele anda pára, pára anda,
sobe e desce, e desce e sobe, eis que entrou uma senhora idosa, bem velhinha
que foi logo encarando a Cíntia! Intimidando-a com os olhos, à ceder o seu
mísero lugar ao sol! Direito do idoso claro!
E
a pobre jovem já nem sabia mais dizer se era melhor sentada, que de pé! Nem
pensou, quando pôde perceber que a idosa já entrou no busão, completamente
pálida, quase verde e prestes a desmaiar de tanto calor, foi logo dizendo:
-
Minha senhora, -disse ela educadamente - Senta aqui! -Logo foi aquela confusão
para a outra passageira se levantar da poltrona do corredor, para Cíntia sair e
poder dar o lugar para a idosa.
Foi
cutucão de guarda-chuva, lambada de bolsa de plástico, caldo de peixe
escorrendo em seu tênis branco, menino entornado refrigerante no banco do
ônibus e picolé de uva derretendo no seu cabelo... E seguia o coletivo pelas
avenidas da grande capital...
Quando
o veículo pegou um pequeno trecho de estrada de terra, e tudo começou a
sacudir, a pobre idosa, num gesto abrupto, abriu a janela de uma vez entrando
uma fumaça de poeira que todos se engasgaram! E numa ânsia de vômitos ela
“chamou o Juca” pela janela! Começou a vomitar, a pobre senhora!
Mas
o pior estava por vir... a sua dentadura saiu voando pelos ares!
E
a coitada, começou a gritar:
-
Socorro!!! Socoooorrro!!! Parem o ônibus! Parem o ônibus!!! Por favor!
Mas,
ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo! Todos apavorados, estavam
pensando que alguém ali dentro tinha sofrido um piripaque no coração! O
motorista então parou e perguntou:
-
O que está acontecendo aí atrás? - A velhinha apavorada dizia chorando:
-
A minha dentadura, senhor, voou pela janela!
Foi
aquela rizaria dentro do ônibus! E ela desceu desesperada para procurar!
Procurava daqui... Procurava dali... Procurava de lá, procurava acolá... E nada
de encontrar a sua dentadura! O povo começou a reclamar:
-
Vamos embora motô! Que eu tô com fome!
-
Hoje é sexta feira, motô, bora ai, cara!
-
Tenho que tomar a minha loura gelada logo mais!
-
Bora aí, motô! Se demorar ai parado eu perco o meu segundo ônibus para chegar
em casa!
E
a confusão se instalou dentro daquele ônibus! Muitos com pena, resolveram
descer para ajudá-la a procurar a dentadura que havia desaparecido no meio do
mato!
Começava
a escurecer e nada da dentadura aparecer! Como a situação ficava cada vez pior
com o povo xingando, crianças chorando... Cíntia desceu também para ajudar
encontrar a dentadura de Dona Maria Balbina.
Depois
de quase meia hora parados no meio do mato daquela estrada de terra, a jovem
encontrou a dentadura daquela senhora, caída no meio de uma poça d’água suja!
Muito agradecida, dona Maria entrou no ônibus, mas não tinha coragem de colocar
de volta a dentadura suja na boca!
O
veículo seguiu viagem e chegou ao seu destino.
Para
surpresa de Cíntia, seu namorado estava esperando-a no ponto final.
Ela
muito constrangida pelo atraso e pela sujeira em que estava por ter caminhado
no meio do barro à procura da dentadura da dona Maria Balbina foi logo se
justificando! Mas na verdade, o seu namorado estava preocupado era com a avó
dele, que havia saído cedo para ir ao médico e ainda não havia voltado! Para
seu espanto ela veio a descobrir que a Dona Maria Balbina era a avó de seu
namorado! Então, eles resolveram acompanhá-la até a casa que morava.
Lá
chegando, Dona Maria lavou a dentadura. Lavou... Lavou... Passou água
sanitária, vinagre, ferveu com detergente e bicarbonato, pois ficou com muito
nojo do que acontecera!
Mas
ela só não esperava que sua dentadura depois de passar por tantos processos de
higienização e fervura, pudesse entortar!
Não
conseguia mais encaixar a prótese dentro da boca! Quanto mais insistia, mais
vômito fazia! Até que correu para o banheiro e... vlópt!!! A dentadura desceu
por água abaixo no vaso sanitário e foi para o beleléu!
Nenhum comentário:
Postar um comentário