Quando faleceu minha mãe, após
meses de tremendo sofrimento, que a levou à cegueira – abandonada pelos
médicos, ao verificarem que não havia cura, - meu pai foi recomendado, pela
funerária, que pertencia a amigo de meu avô, a retirar objectos pequenos, das
salas, que familiares e amigos teriam acesso.
Ajudei-o nessa ingrata tarefa,
segurando com fino arame e fio do norte, pinturas e gravuras que se encontravam
ao longo da escadaria.
O velho e íntimo amigo de meu
avô, era católico e monárquico, de sete costados, em época que era crime grave,
ser cristão e adepto do rei deposto. Atrevimento que, algumas vezes, pagava-se
com a vida.
Foi igualmente aconselhado a
depositar o corpo em capela. Era mais seguro - informaram, - livre de aves de
rapina que habitualmente frequentam velórios.
Conselho que recusou.
Faltou-lhe coragem de abandonar a mulher, em capela pública, cujas portas
encerravam às primeiras horas da madrugada.
Deixou-a no leito, coberta com
lençóis do enxoval; sem velas, sem flores, de janelas escancaradas, por onde
luminoso sol entrava a rodos.
Amigos, conhecidos e curiosos,
subiam as escadas. Penetravam, a medo, no quarto, e ficavam chocados ao
verem-na “ dormindo”.
Decorridos minutos, espantados,
declaravam: “ Assim não impressiona tanto!….”
Agora devo dizer que não gosto
de ir a funerais. Não gosto, porque neles encontra-se o pior que existe nos
humanos: hipocrisia, bajulação, ganância, à mistura de frases feitas; e ainda
que digam que sentem muito, a maioria não sente nada.
São aves de rapina que rondam
carne morta, em busca de interesses.
Familiares existem, que recebem
a morte com alívio: ou porque o doente era um estorvo, ou porque finalmente vão
receber bens, que muitas vezes, não conseguiram obter com procurações e
doações….
É a vida! Melhor: é a morte! …
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