quarta-feira, 1 de outubro de 2025

VIAGEM À CHAPADA DOS VEADEIROS EM GOIÁS

Por Catarina Denise Rabelli Osoegawa (São Paulo, SP)

 

Conhecer um pedacinho da Chapada dos Veadeiros em Goiás é adentrar um mundo de conhecimento e história ancestral, de uma beleza intensa e reveladora e um aprendizado profundo sobre o equilíbrio do Cerrado. Sou psicóloga e recentemente concluí um curso de fotografia, motivo pelo qual tentei estabelecer um elo entre os registros visuais e as emoções que vivi nesta viagem de cinco dias que fiz pela Chapada. A fotografia representa para mim uma possibilidade de compartilhar com as outras pessoas uma linguagem artística única, que apreende um código universal capaz de evocar olhares, sentimentos, rememorações, sonhos, desejos e reflexões, de certa forma, semelhante a uma terapia.

Partindo de Brasília, em um percurso de 230 km de carro, chegamos a Alto Paraíso, uma cidade estratégica pela sua localização próxima a numerosas trilhas e cachoeiras do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Embora haja algumas trilhas longas e com terreno acidentado, é possível também seguir por trilhas mais leves que levam a lindas cachoeiras e paisagens paradisíacas.



Chegamos à Chapada no dia 18 de agosto, próximo ao final do período de seca no Cerrado de Goiás, período que se estende de maio a setembro, tornando os nossos passeios muito agradáveis, com dias lindos ensolarados, o céu de um azul forte e límpido, com muitas flores se formando e se abrindo para a chegada da primavera.



 No primeiro dia, a 50 km de Alto Paraíso, o nosso destino foi a Cachoeira Poço Encantado, conhecida como a mais tranquila da Chapada. Caminhamos por uma trilha fácil, e chegamos a uma cachoeira linda e gostosa, onde até as crianças podem brincar sem risco. O Poço Encantado tem uma faixa de águas claras e rasas, onde dividimos o espaço com centenas de peixinhos que vêm massagear os nossos pés, procurando se aproximar de nós.  Assemelha-se a uma praia, tem uma faixa de areia onde podemos tomar sol e ao mesmo tempo sentir a vibração forte da queda das águas. Aqui também pude ousar, pela primeira vez, um breve passeio de stand up paddle, com a ajuda do nosso guia de turismo, o Shamuel, que nos acompanhou durante toda a nossa estada na Chapada.

No retorno a Alto Paraíso fizemos uma parada em um local considerado especial pela passagem do Paralelo 14, uma linha imaginária de latitude que conecta várias regiões do planeta, dando origem a lendas de portais e campos energéticos. Contemplar o pôr do sol neste local vislumbrando o contorno da Chapada com suas finíssimas linhas desenhadas pelas árvores do Cerrado é uma experiência verdadeiramente mágica.



No segundo dia fomos conhecer a Cachoeira Santa Bárbara. Localizada a 120 km de Alto Paraíso, no município de Cavalcante. Esta cachoeira faz parte do território quilombola Kalunga, cujo acesso só é permitido com um guia local. Ao longo de nosso percurso de 1,8 km de caminhada descobrimos várias curiosidades sobre a vegetação, identificando árvores importantes do Cerrado de Goiás como a do pequi, do buriti, e algumas plantas medicinais. Conhecemos também um pouco sobre o modo de vida e a cultura da comunidade quilombola Kalunga, particularmente a maneira como utilizam de modo sustentável a imensa riqueza natural disponível do Cerrado.



No percurso de volta de Santa Bárbara fizemos uma parada no mirante frente ao Jardim de Maitreya. Este local é exuberante pela riqueza da vegetação e quantidade enorme de buritizais com mais de trinta metros de altura. Esta é uma região de campo úmido onde várias nascentes formam o córrego Riacho Fundo. Aprendemos que a presença de buritizais, certamente é indicativo de região muito irrigada naturalmente. Outra curiosidade que o nosso guia nos chamou a atenção foi para as árvores mortas de buriti que servem de ninhos para as araras quando as folhas caem. Conseguimos avistar bem ao longe um casal de araras no topo de um tronco seco de uma palmeira alta, como uma cena inesquecível de beleza e contemplação.



Ainda no retorno a Alto Paraíso tivemos uma experiência única de vivência inesquecível de contato as araras. Conhecemos um antigo restaurante inativado, cujo espaço recebe os cuidados de uma senhora que preserva um viveiro de araras que voam livremente ao local. As araras-canindé, lindíssimas por suas plumagens azul vivo e amarelo-alaranjado, mostraram-se muito sociáveis e nos receberam com alegria e seus gritos estridentes, brincando com aros de metal como exímias trapezistas. Pousaram nos nossos braços e comeram castanhas de caju das nossas mãos, trazendo a esta experiência uma conexão profunda de emoção e energia, que rendeu inúmeras fotos.



No terceiro dia fomos ao Vale da Lua, uma das paisagens mais icônicas da Chapada dos Veadeiros, a 28km de Alto Paraíso em rodovia asfaltada e 4km de estrada de terra. A caminhada de 1,5km é leve e ao chegarmos ao Vale da Lua, parecia que estávamos verdadeiramente pisando em território lunar. Avista-se uma larga extensão de rochas acinzentadas e lisas, cheia de crateras chamadas de “panelas” ou “marmitas” que brilham ao sol quando preenchidas pelas águas que percorrem ao fundo do vale. Este é um lugar de acesso mais perigoso às quedas d’água, e por recomendação do nosso guia ficamos admirando na parte alta.  Inclusive não é possível visitar na época da cheia dos rios. A vista é maravilhosa, de encher os olhos e imperdível para quem deseja conhecer estas raras e milenares formações geológicas da Chapada esculpidas pela natureza.



No quarto dia, o desafio foi uma caminhada de 3,5km até a Cachoeira do Segredo. Esta é uma cachoeira de beleza especial e bem diferente das outras que conhecemos.   Com seus impressionantes 130 metros de altura, rodeada por um lindo paredão de pedra, deságua em um grande poço verde escuro fundo de garrafa. A Cachoeira do Segredo nos transporta para um mundo imaginário de curiosidades e fantasias a respeito dos profundos segredos que que estariam ali embalados e poderiam permanecer eternamente guardados neste lugar tão mágico e misterioso!

No quinto e último dia da nossa viagem, fomos à Cachoeira dos Cristais. A 8km de Alto Paraíso, enfrentamos uma caminhada de grau médio de dificuldade, com muitas pedras e em declive, um verdadeiro desafio! Acompanhamos o percurso de diversas quedas d’água que se estendem por pequenos caldeirões cujas imagens fotográficas que registrei foram as mais belas, justamente por estar muito próximo às corredeiras e poder escolher os ângulos perfeitos onde a luz do sol se dividia em faces ora verticais, ora horizontais, incidindo como se fossem as faces brilhantes de um cristal em pleno movimento.



Em retorno a Brasília, sentia-me inteiramente renovada e impactada por tanta beleza que encontrei nos poucos dias desta jornada, desejando explorar ainda mais a fundo um conhecimento que me foi arremessado e que aceitei de braços e coração abertos. Ao longo da viagem de volta sentia um misto de felicidade e nostalgia à medida que a paisagem do cerrado ia se diluindo com o vento e deixando os contornos da Chapada cada vez mais indecifráveis e distantes, deixando na alma e nas imagens da câmera fotográfica os rastros de uma memória que permaneceria inesquecível. 


Sobre a autora: Catarina Denise Osoegawa é fotógrafa e psicanalista, reside em São Paulo (SP) e Florianópolis (SC), e tem participado do grupo de estudos sobre Psicanálise e Cinema no Instituto de Psicanálise Sedes Sapientiae. Participou da Exposição de Fotografia Metamorfose III com três fotografias sobre o tema "Cartografias da Paisagem"  no Espaço Oscar Niemeyer em Brasília em agosto/2025 e está escrevendo o artigo para revista de psicanálise com o título : O "Quê" da Fotografia Aplicada à Psicanálise.

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