Por Catarina Denise Rabelli Osoegawa (São Paulo, SP)
Conhecer um pedacinho da Chapada
dos Veadeiros em Goiás é adentrar um mundo de conhecimento e história
ancestral, de uma beleza intensa e reveladora e um aprendizado profundo sobre o
equilíbrio do Cerrado. Sou psicóloga e recentemente concluí um curso de
fotografia, motivo pelo qual tentei estabelecer um elo entre os registros
visuais e as emoções que vivi nesta viagem de cinco dias que fiz pela Chapada.
A fotografia representa para mim uma possibilidade de compartilhar com as
outras pessoas uma linguagem artística única, que apreende um código universal
capaz de evocar olhares, sentimentos, rememorações, sonhos, desejos e reflexões,
de certa forma, semelhante a uma terapia.
Partindo de Brasília, em um
percurso de 230 km de carro, chegamos a Alto Paraíso, uma cidade estratégica
pela sua localização próxima a numerosas trilhas e cachoeiras do Parque
Nacional da Chapada dos Veadeiros. Embora haja algumas trilhas longas e com
terreno acidentado, é possível também seguir por trilhas mais leves que levam a
lindas cachoeiras e paisagens paradisíacas.
Chegamos à Chapada no dia 18 de
agosto, próximo ao final do período de seca no Cerrado de Goiás, período que se
estende de maio a setembro, tornando os nossos passeios muito agradáveis, com
dias lindos ensolarados, o céu de um azul forte e límpido, com muitas flores se
formando e se abrindo para a chegada da primavera.
No primeiro dia, a 50 km de Alto Paraíso, o
nosso destino foi a Cachoeira Poço Encantado, conhecida como a mais tranquila
da Chapada. Caminhamos por uma trilha fácil, e chegamos a uma cachoeira linda e
gostosa, onde até as crianças podem brincar sem risco. O Poço Encantado tem uma
faixa de águas claras e rasas, onde dividimos o espaço com centenas de
peixinhos que vêm massagear os nossos pés, procurando se aproximar de nós. Assemelha-se a uma praia, tem uma faixa de areia
onde podemos tomar sol e ao mesmo tempo sentir a vibração forte da queda das
águas. Aqui também pude ousar, pela primeira vez, um breve passeio de stand up paddle,
com a ajuda do nosso guia de turismo, o Shamuel, que nos acompanhou durante
toda a nossa estada na Chapada.
No retorno a Alto Paraíso fizemos
uma parada em um local considerado especial pela passagem do Paralelo 14, uma
linha imaginária de latitude que conecta várias regiões do planeta, dando
origem a lendas de portais e campos energéticos. Contemplar o pôr do sol neste
local vislumbrando o contorno da Chapada com suas finíssimas linhas desenhadas
pelas árvores do Cerrado é uma experiência verdadeiramente mágica.
No segundo dia fomos conhecer a
Cachoeira Santa Bárbara. Localizada a 120 km de Alto Paraíso, no município de
Cavalcante. Esta cachoeira faz parte do território quilombola Kalunga, cujo
acesso só é permitido com um guia local. Ao longo de nosso percurso de 1,8 km de
caminhada descobrimos várias curiosidades sobre a vegetação, identificando
árvores importantes do Cerrado de Goiás como a do pequi, do buriti, e algumas
plantas medicinais. Conhecemos também um pouco sobre o modo de vida e a cultura
da comunidade quilombola Kalunga, particularmente a maneira como utilizam de
modo sustentável a imensa riqueza natural disponível do Cerrado.
No percurso de volta de Santa
Bárbara fizemos uma parada no mirante frente ao Jardim de Maitreya. Este local
é exuberante pela riqueza da vegetação e quantidade enorme de buritizais com
mais de trinta metros de altura. Esta é uma região de campo úmido onde várias
nascentes formam o córrego Riacho Fundo. Aprendemos que a presença de buritizais,
certamente é indicativo de região muito irrigada naturalmente. Outra
curiosidade que o nosso guia nos chamou a atenção foi para as árvores mortas de
buriti que servem de ninhos para as araras quando as folhas caem. Conseguimos
avistar bem ao longe um casal de araras no topo de um tronco seco de uma
palmeira alta, como uma cena inesquecível de beleza e contemplação.
Ainda no retorno a Alto Paraíso
tivemos uma experiência única de vivência inesquecível de contato as araras.
Conhecemos um antigo restaurante inativado, cujo espaço recebe os cuidados de
uma senhora que preserva um viveiro de araras que voam livremente ao local. As
araras-canindé, lindíssimas por suas plumagens azul vivo e amarelo-alaranjado, mostraram-se
muito sociáveis e nos receberam com alegria e seus gritos estridentes,
brincando com aros de metal como exímias trapezistas. Pousaram nos nossos
braços e comeram castanhas de caju das nossas mãos, trazendo a esta experiência
uma conexão profunda de emoção e energia, que rendeu inúmeras fotos.
No terceiro dia fomos ao Vale da
Lua, uma das paisagens mais icônicas da Chapada dos Veadeiros, a 28km de Alto
Paraíso em rodovia asfaltada e 4km de estrada de terra. A caminhada de 1,5km é
leve e ao chegarmos ao Vale da Lua, parecia que estávamos verdadeiramente pisando
em território lunar. Avista-se uma larga extensão de rochas acinzentadas e
lisas, cheia de crateras chamadas de “panelas” ou “marmitas” que brilham ao sol
quando preenchidas pelas águas que percorrem ao fundo do vale. Este é um lugar de
acesso mais perigoso às quedas d’água, e por recomendação do nosso guia ficamos
admirando na parte alta. Inclusive não é
possível visitar na época da cheia dos rios. A vista é maravilhosa, de encher
os olhos e imperdível para quem deseja conhecer estas raras e milenares formações
geológicas da Chapada esculpidas pela natureza.
No quarto dia, o desafio foi uma
caminhada de 3,5km até a Cachoeira do Segredo. Esta é uma cachoeira de beleza
especial e bem diferente das outras que conhecemos. Com seus impressionantes 130 metros de
altura, rodeada por um lindo paredão de pedra, deságua em um grande poço verde
escuro fundo de garrafa. A Cachoeira do Segredo nos transporta para um mundo imaginário
de curiosidades e fantasias a respeito dos profundos segredos que que estariam ali
embalados e poderiam permanecer eternamente guardados neste lugar tão mágico e
misterioso!
No quinto e último dia da nossa
viagem, fomos à Cachoeira dos Cristais. A 8km de Alto Paraíso, enfrentamos uma
caminhada de grau médio de dificuldade, com muitas pedras e em declive, um
verdadeiro desafio! Acompanhamos o percurso de diversas quedas d’água que se
estendem por pequenos caldeirões cujas imagens fotográficas que registrei foram
as mais belas, justamente por estar muito próximo às corredeiras e poder
escolher os ângulos perfeitos onde a luz do sol se dividia em faces ora
verticais, ora horizontais, incidindo como se fossem as faces brilhantes de um
cristal em pleno movimento.
Em retorno a Brasília, sentia-me
inteiramente renovada e impactada por tanta beleza que encontrei nos poucos
dias desta jornada, desejando explorar ainda mais a fundo um conhecimento que
me foi arremessado e que aceitei de braços e coração abertos. Ao longo da
viagem de volta sentia um misto de felicidade e nostalgia à medida que a
paisagem do cerrado ia se diluindo com o vento e deixando os contornos da
Chapada cada vez mais indecifráveis e distantes, deixando na alma e nas imagens
da câmera fotográfica os rastros de uma memória que permaneceria inesquecível.
Sobre a autora: Catarina Denise Osoegawa é fotógrafa e psicanalista, reside em São Paulo (SP) e Florianópolis (SC), e tem participado do grupo de estudos sobre Psicanálise e Cinema no Instituto de Psicanálise Sedes Sapientiae. Participou da Exposição de Fotografia Metamorfose III com três fotografias sobre o tema "Cartografias da Paisagem" no Espaço Oscar Niemeyer em Brasília em agosto/2025 e está escrevendo o artigo para revista de psicanálise com o título : O "Quê" da Fotografia Aplicada à Psicanálise.
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