quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

DOS RIDÍCULOS DA VIDA: O COTIDIANO URBANO E O GUARDINHA ALI DA ESQUINA

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

 

            Dizem os entendidos, nas ciências sociais e políticas, nas suas muitas ramificações, que o estado nasceu com o fim nomadismo e o início de sedentarismo, de parte de algumas tribos. Em suma, alguns seres humanos, deixaram de andar de lado para o outro e resolveram se assentar em lugares, com abundância de águas e viveres. E assim nasceu a necessidade de organizar a sociedade, que se urbanizou, assim nasceu o Estado centralizado, na figura de ser absoluto, assim nasceu os códigos de leis, aparatos repressivos e outras estripulias burocráticas.

            Pois bem, o espaço é pequeno e também não sou lá o suprassumo em entendimentos de geopolíticas e geoeconomia e seus derivados e somente dizer que o tal estado centralizado, em figuras agraciadas com poderes divinos. Com os lentos andares das carruagens civilizatórias, os poderosos e poderosas Querubins e Querubinas, agraciados por divindades astrais, sedem os seus poderes a figuras menores. E volto a dizer que, a ideia, não é se debruçar sobre um tema tão complexo e vasto, que ocorreu e que ainda ocorre na humanidade.

            E indo ao que interessa, lá estava eu, o guardinha ali da esquina, na minha atribuição de agente efetivo do aparato repressivo do estado. Eu devidamente uniformizado, com todos os poderes atomistas, que sábios e sábias querubins e querubinas, a sim me consideram. Estava eu, no meio do segundo decênio do século XXl, em um aparelho estatal colegiado, que dividia o espaço, com um aparato estatal de saúde. O espaço em si, localizado em uma zona industrial e comercial, à beira de uma movimentada rodovia federal.

            E lá estava eu, no subsolo do aparato e uma querubina enfermeira, que também era presidenta do sindicato dos servidores públicos local e a querubina-mor assim me confidenciou. Que ela estava no centro da cidade, em um dia de folga, quando presenciou, uma pequena turba de curiosos que olhavam para o chão, era um acidente de trânsito, um motociclista, estava no chão. Então a querubina-mor, não pensou duas vezes, parou o carro de qualquer jeito e foi socorrer o acidentado, imobilizando a coluna serviçal do paciente. E para os muitos ridículos da vida e de outras vidas, uma vez agachada, um popular, avisou a querubina-mor. Avisou que um guarda de trânsito, o tal metafórico guardinha ali da esquina, um agente de trânsito, devidamente uniformizado e identificado. Ele, o agente efetivo do aparato repressivo do estado, municiado com uma caneta cheia de tinta em uma mão e com a outra mão um bloco de multas em branco, pronto para ser preenchido. O todo poderoso agente do aparato de trânsito, estava notificando o veículo automotor da querubina-mor, veículo automotor esse, que não estava devidamente estacionado como manda as normativas do código de trânsito então vigente. Ao invés que organizar o trânsito, para facilitar a chegada da ambulância, que não tardaria a chegar para socorrer o motociclista. 

            Em suma, o todo poderoso deus estado, para a sobrevivência própria, se adequando a sociedade atomizada, então retirou parte do poder absoluto de divinais e sacrossantos querubins e querubinas. E gerou pequenos e pequenas tiranetes, semideuses e semideusas e munidos de canetas cheias de tintas, blocos de multas e outros aparelhos burocráticos físicos e digitais.                       

 

Fragmento do livro: Dos ridículos da vida. Texto de Samuel da Costa, contista, cronista, poeta e novelista em Itajaí, Santa Catarina.

 

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